Aprendizagem e Intuicao

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Tal como Hammer explica muito bem no seu artigo do 1994, excelentemente relatado por Jorge Grave na formação que abriu as atividades de KEY, podemos facilmente identificar três caraterísticas distintivas na abordagem mais construtiva perante a aprendizagem da ciência. Vamos discuti-las a seguir. A nossa não é uma descrição fiel do texto do Hammer, mas sim uma sua interpretação.

O que se pretende encorajar nos alunos e nas alunas que aprendem a ciência, é

1) a procura do significado dos conceitos;

2) uma visão integrada, coerente e sistémica do conhecimento;

3) o questionamento e a reformulação autónoma dos conteúdos.

No caso específico da física, estes três elementos juntos significam dominar um formalismo matemático que serve de modelo para um aspeto da realidade, e saber traduzir qualquer elemento do formalismo para o seu correspondente na realidade e vice-versa.

A atitude oposta, e infelizmente muito mais popular, é a visão da aprendizagem como armazenamento na memória de conceitos sem relação entre eles, em que se acredita por serem declarados por uma autoridade (a professora, o livro de texto, etc.), e a sua utilização meramente para resolver problemas estereotipados e específicos do contexto escolar: passar um teste, responder a uma pergunta durante a interrogação …

O ensino da ciência perde de qualquer utilidade, importância e significado, se não consegue permitir aos alunos ultrapassar a atitude descrita no parágrafo anterior e adotar em sua vez as três chamadas crenças epistemológicas da lista acima. Existe indicação na literatura que a inteligência ou um talento inato específico para as ciências, não estão tanto relacionados quanto normalmente se pensa com a possibilidade de adotar as crenças epistemológicas corretas. Estudos minuciosos dum número limitado de estudantes mostram isto (veja o artigo do Hammer do 1994 citado no início), tal como outras investigações que mostram como determinadas práticas pedagógicas (nomeadamente a discussão entre pares) faça uma grande diferença, para o melhor, na escolha das crenças epistemológicas dos alunos.

As três caraterísticas da boa aprendizagem mencionadas acima, estão claramente relacionadas uma com a outra. Para compreendermos melhor isto, será mais fácil utilizar um exemplo. Uma aluna que queira entender o que é a pressão na física, o "P" que se vê em algumas equações, não ficará satisfeita com aprender a saber substituir o valor certo ao símbolo "P" e obter a resposta correta do teste. Ela sentirá a curiosidade se saber, por exemplo, por qual razão a pressão no fundo duma piscina é mais forte do que perto da sua sua superfície. Querer conhecer o significado de pressão, induz portanto a relacionar uma experiência de vida fora da escola com um excerto de texto de física. Ainda, para que o significado de pressão não se perca totalmente, as relações que o aluno constrói entre as noções que envolvem a pressão, devem ser todas compatíveis, devem fazer parte dum sistema integrado e coerente. Com poucos princípios, deverá ser possível explicar muitos fenómenos. Nessa altura, factos que pareçam contradizer tais princípios, provocarão um desconforto que será preciso resolver, apurando a compreensão dos princípios ou a interpretação dos factos. Para fazer isto, será preciso utilizar os relatos das figuras de autoridade e dos textos adotados oficialmente de formas não explicitamente sugeridas pelos mesmos. Daí, o questionamento. Resumindo, vimos como, num caso concreto, adotar a primeira das três crenças epistemológicas mencionadas acima, leva a adotar as outra duas também. Podíamos ter partido do segundo ou terceiro ponto para chegar igualmente aos outros dois.

Avançamos a hipótese de que este processo tem muito a ver com a coerência em campo ético. Uma pessoa que relaciona as crenças que assume com as suas ações quotidianas, é obrigada a comportar-se de forma ética ou a reconhecer explicitamente os seus limites. Estes limites são inerentes à condição humana, mas a capacidade de reconhecê-los tem um grande impacto no comportamento. Não estamos a sugerir que as pessoas com as crenças epistemológicas mais construtivas na aprendizagem da ciência sejam as mais coerentes na sua vida social, nem vice-versa. Estamos apenas a propor uma parecença entre os processos que levam às duas condições, ambos baseados na capacidade de integrar informações que normalmente ficam separadas. Refletir sobre o processo de aprendizagem enquanto ele acontece, aumenta as possibilidades de aproveitar dele em contextos diferentes.

A procura dum sistema integrado e coerente de noções, leva a utilizar mais e melhor as nossas intuições. O significado que damos aqui à palavra “intuição”, é o “pensamento rápido” que Daniel Kahneman descreve no seu ótimo livro “Pensar, depressa e devagar”: aquela sabedoria que não passa pela consciência e pela escolha deliberada, que age de forma quase independente da nossa vontade. As intuições na física são importantes, tal como em qualquer outro campo da criatividade humana. Mas podem também ser um grande obstáculo. Uma caraterística fundamental do conhecimento científico, é a surpreendente negação de fortíssimas intuições. A terra não é plana. Também não é eternamente imóvel. Um corpo pesado não cai mais rápido ao chão do que um corpo mias leve, por mais leve que seja, desde que os dois corpos sofram a mesma resistência do ar. De facto, qualquer disciplina científica diz-nos que alguma das convicções que de outra forma acharíamos óbvias, estão erradas. Os humanos e os cães não têm duas linhagens totalmente separadas … Aprender a ciência, quer dizer também desconstruir muitas intuições que todos nós já tivemos alguma vez na vida. O próprio Newton, quando formulou a sua teoria da gravitação universal, ficou desconfortável com a ideia de ação a distância. Não pode haver força sem contacto direto. Isto é o que a intuição sugeria ao Newton e sugere a todos nós antes de aprender o conceito de campo de forças. Mas Newton não deixou de ter intuições após ter formulado a teoria da gravidade. Simplesmente passou a ter intuições mais sofisticadas, porque a sua bagagem intelectual abarcou mais um elemento: a interação a distância. Sem a possibilidade de refinar as intuições, a única física que fosse possível perceber seria a de Aristóteles, que também era uma organização coerente de conceitos interligados e repletos de significado, mas não sofreu as alterações impostas por séculos de recolha sistemática de dados empíricos. A intuição não passa pela consciência, mas alimenta-se de toda a aprendizagem que já adquirimos conscientemente e que já interiorizámos de forma suficientemente profunda. Este é um processo que acontece ao nível individual, mas também social e histórico. Alunos e alunas, já no secundário, têm a possibilidade de desenvolver intuições na física mais apuradas do que as do Aristóteles, sem necessariamente ter muito mais talento ou apetência pela física do que Aristóteles.

Aprender que uma intuição não está certa, é um evento transformador. Propomos novamente que este aspeto da aprendizagem da ciência tem uma correspondência no dia a dia. É o seguinte:  se ficarmos presos às nossas intuições iniciais, perdemos ótimas oportunidades de apurar essas intuições.  Abandonar a intuição de que “quanto mais forte a nossa opinião, mais válida”, por exemplo, ajuda a desenvolver a intuição mais subtil e fértil de que “a realidade tende a ser mais complexa do que parece inicialmente”. É esta abertura à mudança que a ciência requer no âmbito intelectual e que a vida sensata e profunda requer no âmbito social.

Queríamos deixar aqui uma última nota acerca do questionamento. É fundamental, mas não queremos advogar uma sua versão radical e simplista. A confiança é a base imprescindível de qualquer processo social positivo ou negativo, inclusive da construção do conhecimento científico. Não é possível para um indivíduo isolado medir o tamanho médio anual dos glaciares, por exemplo. Uma fita métrica auto-produzida, não basta para o efeito. Para ter qualquer conhecimento de climatologia, é preciso confiar no processo social que permite às instituições científicas de elaborar e transmitir informação. Einstein não refez autonomamente todas as experiências de física que tinham sido efetuadas desde os tempos de Galileu até o início do século 20. Se se tivesse dado a este inútil trabalho, não teria tido o tempo de revolucionar a física. Einstein, como qualquer pessoa que queira fazer qualquer coisa (beber, comer, atravessar uma ponte ... )  teve que confiar num processo social. Ele confiou nos textos de física na sua disposição, aceitou como válido o conhecimento de física da sua altura, ao mesmo tempo que o seu questionamento o levou a uma reformulação radical duma parte deste conhecimento.

Saber quando confiar e quando desconfiar é uma capacidade complexa e crucial, especialmente na era de internet. Eu não acredito em qualquer coisa qualquer pessoa me diga. Mas quando peço informações pela rua aos moradores duma localidade em que entro pela primeira vez, acredito no que me é dito, e em mais de 30 anos de vida adulta nunca me tive que arrepender. Por isso a minha confiança nas indicações dos moradores para encontrar um caminho, é validada pela minha experiência pessoal, apesar da inevitável ocorrência de erros esporádicos. Analogamente, a minha confiança no conhecimento científico, tal como formulado em textos, artigos, vídeos educativos, etc.. vem de experiências do dia a dia, apesar de saber que tal científico é incompleto e manchados por falhas. Os que rejeitam a autoridade científica por serem cépticos de todas as verdades oficiais,  terão como únicas alternativas viáveis, acreditar em outras autoridades ou limitar-se àquela ínfima porção de conhecimento que adquirimos diretamente. Questionar não significa rejeitar à partida.

Giancarlo Pace
Coordenador Equipa Key 1.0.

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